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Voltar | FundoHomestead e Direitos dos Animais
Thu, Mar 14 2013 21:21h - by tracanelli
Pensando sobre a fundamentação do homestead como segunda lei na proposta do Hoppe, com base no que postei anteriormente, retomei a leitura sobre como Locke e a Rand tratam o assunto, sobre como o homestead pode não se desenvolver integralmente e se sagrar por completo em alguns casos. Há uma lógica clara, que não chega a ser jusracional, mas o direito natural Lockeano permite uma interpretação sobre direitos animais que apresento a seguir.
Retomando a partir do que elaborei no post anterior, ocasião da participação do H3 no II Seminário de Escola Austríaca em Porto Alegre, coloquei que na percepção do filósofo liberal John Locke, homestead depois de estabelecido, tem que se provar realmente necessário. É por meio de estabelecer produção e condições de subsistência, como construir uma cabana ou proteção contra intempéries climáticas, estabelecer plantio, agricultura, para sua alimentação e autosuficiência. Estabelecer condições, de saneamento mínimas conseguindo água potável e separar esgoto afim de evitar doenças, etc, que se estabelece de fato a comprovação da propriedade autentica do território, dos bens ali produzidos e os recursos naturais ali explorados.
Inclusive é com base nessa ótica, nesse entendimento perene e indiscutível do jus-naturalismo de base Lockeana, que colocado pelo próprio John Locke e também pela Ayn Rand posso derivar que animais, como cachorros, cavalos e outros, não estabelecem homestead por completo, mas estabelecem um nível primário de homestead. Sob essa ótica eu defendo que é provavelmente ético (sim, provavelmente ético, não apenas moral) buscar garantir que animais tem sim um nível de direitos minimamente compatíveis com os direitos naturais dos homens. Mas só um subconjunto e não direitos completos.
Animais, são o primeiro a estabelecer controle e ocupar o recurso escasso que são seus corpos. Animais delimitam seu recurso escasso, seu corpo. Vão latir, rosnar, ou fugir, de agressões contra sua "autopropriedade" parcial. Animais vão reagir e tentar defender essa propriedade controlada e delimitada, buscando morder, dar rabada, coice, o que for necessário para defender seu mais importante recurso escasso: seu eu (self). Dessa forma existe a indiscutível obrigação, senão ética, mas moral, de coibir e boicotar agressões e crueldades contra animais. Animais não tem autopropriedade por completo, auto-propriedade de fato, porque não conseguem ir além. Não consegue estabelecer homestead além do próprio corpo, não conseguem plantar, produzir, extrair da natureza de forma auto-suficiente e sustentável recursos pra subsistência e sua proteção. E principalmente não conseguem respeitar a autopropriedade ou propriedade de outros animais, mesmo de mesma classe ontológica. Alguns animais vão atacar e agredir outros de mesma espécie para roubar sua comida. As vezes até mesmo como primeira opção, não apenas em casos extremos. Há instinto, mas não há capacidade de cognição pra discernir direitos, limites, e não iniciação de agressão como regra.
Animais, mesmo os mais inteligentes, como os golfinhos, não estabelecerão propriedade sobre uma área das águas do oceano ou algo parecido com o cultivo, afim de produzir alimento e ser autodeterminante e auto-suficiente em um processo de se alimentar e se sustentar sem agredir propriedades de outrem. Ao contrário eles vão sempre acompanhar os fluxos de águas e buscar comida em abundância ao invés de “plantar” (piscicultura) peixes menores pra sua alimentação. Mesmo os que estabelecem território temporário, migrarão na próxima temporada de reprodução, no próximo inverno, pela busca por alimentos. Não tendo portanto capacidade de estabelecer o ciclo completo de homestead, animais não são autoproprietários. E o motivo, corroborado por São Thomas de Aquino, Aristoteles e endossado por Rothbard, é que lhes falta a faculdade da razão. Portanto são passíveis de serem propriedade de um homem ou qualquer outro ser autoproprietário - aqui eu uso outro ser pois pra mim, é indiscutível que o homem bicentenário existirá em breve, se já não existir; a robótica, a tecnologia, e a inteligência artificial vão transcender de forma indiscutível que a máquina biológica humana não será a única, autoproprietária, em um futuro bem próximo. Inclusive me parece claro o benefício de serem apropriados, afim de haver a guarda sobre tais animais em benefício de seus melhores interesses, além de responsabilização objetiva em caso de violação de tal pretendido direito parcial cujos animais são legítimos possuidores.
Então claro, a agressão a um animal que é propriedade de alguém, é uma agressão a propriedade. E deve ser punível, compensável, restituível. No entanto, em um animal sem proprietário (selvagem) ou mesmo o proprietário de um animal, não pode promover agressões desnecessárias: crueldade, promover dor e sofrimento aos animais, pois uma parte do homestead eles estabelecem. De forma perene; ja que em qualquer lugar, à qualquer tempo, eles terão estabelecido controle exclusivo sobre seu corpo, seguido de delimitação desse recurso escasso (o corpo do animal) e defesa contra agressões. Mesmo animais criados para o abate, como meio de sustento de seu proprietário, algum grau de dignidade e cuidados devem ser maximizados para mitigar dor, sofrimento e impedir crueldade. Dentro dos limites de um ser que autodetermina um subconjunto de sua autopropriedade apesar de não conseguir estabelece-la (homestead) por completo.
E sob aspecto da EAH, animais também estabelecem controle exclusivo sobre seu corpo, pulmão, membros, e apesar de falhar em estabelecer capacidade cognitiva para verbalizar ou expressar de forma estruturada uma argumentação de fato, conseguem se expressar e estabelecer uma troca mínima de comunicação e resposta à estímulos de afeto (externalidades positivas) ou agressões (incluindo externalidades negativas), especialmente animais mais inteligentes. Claro, muito longe de uma argumentação de fato, ao menos nos animais como conhecemos hoje. Mas há um subconjunto de capacidades que garante a estes, direito à tratamento digno, mesmo em momentos críticos como abate (para alimentação) ou sacrifício (por motivos de doença ou controle populacional, o que for), sem crueldade e sem maus tratos.
Sob tais aspectos, me parece claro que sob a perspectiva moral, promover dor e outros tipos de maus tratos e crueldade que impliquem dor, é algo que entre bom e mau, é absolutamente mau, não havendo nenhum benefício (nunca é bom), sendo então um agir dispensável à finalidade que se presta tal ato: é sempre mau, nunca bom. Mesmo que o objetivo final seja desejado (e portanto considerado bom), como abate para alimentação, sacrifício por motivos de doença ou controle populacional, o ato em sí não é bom. Sendo então sempre um ato nunca bom, é rigorosamente um ato imoral. Mas para definir se é também anti-ético é necessário discutir e elaborar, por dedução completa, se é certo ou errado, justo ou injusto. Em havendo estabelecido homestead do corpo e sendo o animal capaz de sofrer, seja por dor, ou por medo, ao perceber uma ameaça suposta ou fática sobre seu corpo, sua auto-propriedade, parece injusto que tal animal seja submetido à tais condições. Parece, em todos os casos, um ato éticamente errado, e parece ser difícil encontrar condições sob as quais promover dor e maus tratos seja a coisa correta, justa, a ser feita.
No entanto, dada à incapacidade cognitiva, comunicativa, somada à incapacidade de estabelecer homestead completo, tais animais não são capazes de estabelecer uma existência pacífica, livre de agressões, livre de violação de propriedades e auto-propriedades de outrem. E independente de capacidades cognitivas que os permitam perceber atos morais, independente de tais animais serem eles mesmos, agentes morais, se tais indivíduos fossem capazes de existir pacificamente, ainda que por instinto, sem agredir ou violar a pessoa e a propriedade (aqui estou separando intencionalmente) de outros animais, um grau adicional de direitos poderia ser discutido. No entanto, não sendo esse o fato nas espécies conhecidas até a data, com exceção do animal humano na espécie que sabe (homem que sabe) e claro estendendo a sub-espécie homem que sabe que sabe (homosapien sapien), tais animais estão impedidos (estopped) de se opor à violação de suas propriedades (ovos, leite, mel, ...) e auto-propriedades (corpo), pois efetivamente eles legitimam tais violações ao realizarem-nas, no curso de sua existência.
Nesse caso, o apelo à anti-eticidade de promover dor e maus tratos animais é claramente um apelo à uma concessão de direitos, realizada por indivíduos auto-proprietários racionais, cognitivamente superiores, que compreendem que promover dor é fundamentalmente errado, fundamental injusto - e portanto, anti-ético.
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